Entenda por que universidades,
juristas e outros representantes da sociedade civil têm se manifestado contra a
lei que acaba de ser sancionada pelo presidente Evo Morales
Com 681 artigos, o novo Código de Sistema Penal da Bolívia, promulgado em 15
de dezembro de 2017, desencadeou uma onda de protestos em vários setores da
sociedade civil boliviana. Além de conter artigos polêmicos, juristas apontam falhas na descrição da execução
penal, deixando uma grande liberdade de interpretação para a
Justiça e o Ministério Público, sem regras e prazos claros, o que pode ferir os
direitos de ampla defesa e do devido processo legal.
Em paralisações, greves de fome e manifestações, juristas,
médicos e especialistas de diversas áreas apontam incoerências e riscos para
direitos fundamentais e para a democracia. Entenda alguns dos pontos polêmicos.
Criminalização do erro médico (artigo 205)
O artigo 205 criminaliza o erro médico, com
prisão de 2 a 4 anos e multa, se a consequência da suposta negligência forem
lesões graves, e de 3 a 6 anos, se a prática leva à morte. A comunidade médica
acusa o governo de pretender resolver a profunda crise do sistema de saúde do
país – carência de infraestrutura, equipamentos básicos, medicamentos e leitos
– com medidas punitivas, sem propor uma melhoria ao problema real. A
ambiguidade do texto desse artigo, com a consequente insegurança jurídica,
levou a comunidade médica do país a permanecer mais de 40 dias de greve.
Aborto (artigo 157)
O parágrafo V do artigo 157 do novo Código
penal boliviano permite o aborto até a 8ª. semana de gravidez, desde que a
gestante seja estudante ou considerada incapaz civilmente (menor de idade ou
com deficiência que exija o amparo de tutores legais). Até agora, o aborto na
Bolívia era crime, não penalizado apenas em casos de estupro, incesto ou risco
de vida da mãe.
Liberdade religiosa (artigo 88)
O artigo 88 determina a punição de prisão de
7 a 12 anos e reparação econômica (multa) à pessoa que, por si ou por
terceiros, capte, transporte, translade, prive de liberdade, acolha ou receba
pessoas para diversos fins. Entre eles, no número 11 está previsto o
“recrutamento de pessoas para sua participação em organizações religiosas ou de
culto”.
Não só pastores evangélicos e católicos se
levantam contra esse dispositivo. Juristas apontam os riscos para a liberdade
religiosa já que, da forma como está escrito, só o fato de transportar pessoas
para cultos religiosos já seria crime punível pelo artigo.
Liberdade de informação (artigos 309, 310 e
311)
Entre as faltas contra a dignidade, o Código
repete o tratamento penal previsto antes para os delitos de injúria, calúnia e
difamação. A diferença é que, agora, não existe mais a análise prévia que
protegia a liberdade de expressão na atividade jornalística em casos de
acusações injustas contra comunicadores. A utilização de meios de comunicação
para esses delitos aparece agora, no novo Código de Sistema Penal boliviano,
como um dos agravantes desses delitos, impedindo o processo legal previsto na
Lei de Imprensa boliviana.
Até então, para respeitar a liberdade de
informação e de expressão, sem deixar de punir abusos, a lei boliviana
estabelecia um foro especial quando um jornalista ou comunicador era acusado de
algum ilícito relacionado à honra de alguém – um juiz organizava o processo,
mas quem ditava a sentença era um júri de 20 pessoas eleitas pela comunidade.
Com o novo Código, como a interpretação é ampla, qualquer informação que
incomode as autoridades poderá ser punida.
Outro ponto criticado na lei é o delito de
“revelação de segredos”. Antes, esse crime consistia em publicar segredos
políticos e militares, relacionados apenas à “segurança do Estado”. Agora, o
entendimento foi ampliado para qualquer revelação de informação, o que, na
prática, pode punir a mera divulgação de dados de utilidade pública. A criação
desse tipo penal também coloca em risco o direito ao sigilo da fonte.
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